Luiz Maurício de Abreu Arruda
Projeto Quissamã Memória Viva e Acervo Heitor Costa |
A prática de nomear logradouros quase sempre é identificada como
distorção da legislatura municipal, porém, um olhar mais atento é capaz
de evidenciar como esse processo é capaz de reproduzir a memória de
personagens e fatos da história nacional e local. No entanto, é
importante destacar que o tempo é capaz de diluir o significado das
homenagens e torná-las pouco mais do que uma placa de rua.[1]
Ainda que esse exercício demonstre a clara expressão de uma história
positivista, que tem como grande pilar, privilegiar os grandes fatos e
personagens, verificamos em algumas dessas “homenagens” a possibilidade
de revisitar histórias de vida que realmente encantam devido a sua
abnegação e dedicação ao semelhante. Nesse artigo trataremos de um
sacerdote da Ordem Terceira Franciscana Secular , frei Vicente
Bogard.[2]
Frei Vicente foi capelão durante longo período na
antiga Colônia Tavares de Macedo. Após ser diagnosticado com “lepra”
(hanseníase), durante um período em que a principal política profilática
do Estado era a internação compulsória, buscou tratamento na antiga
Colônia e lá permaneceu mesmo depois de ser curado.[3]
É
interessante destacar a atuação constante desse religioso, pois sua vida
está na confluência de dois municípios, Itaboraí e Quissamã. A primeira
fotografia (esquerda) registra Frei Vicente ainda muito jovem junto de
seus coroinhas em frente à Gruta Nossa Senhora de Lourdes em Quissamã
[4], onde atuava como sacerdote. Na segunda fotografia (direita)
trata-se do frei com aproximadamente 60 anos.[5]
Caracterizado
por uma pessoa de hábitos extremamente simples, frei Vicente era
admirado por aqueles que o conheciam, devido principalmente a sua
dedicação aos doentes e ao zelo e compromisso religioso. Em Itaboraí,
sua atuação por aqueles que padeciam internados na Colônia Tavares de
Macedo é algo presente na memória dos antigos ex-internos, que
conviveram com o religioso. Aonde chegava já era rodeado por crianças
que alegres o cercavam para ganhar doces e balas.[6]
Participava
ativamente junto à comunidade católica local e de outros municípios,
buscando arrecadar fundos e donativos para aliviar o sofrimento dos
doentes e de seus familiares. Através do elemento religioso, contribuiu
na dissolução do forte estigma existente junto aos doentes, pois através
das festas religiosas os “sãos”, movidos pela fé pelo sentimento de
caridade, buscavam a Colônia através das atividades religiosas.
Outra importante ação na Colônia Tavares de Macedo ocorreu no final da
década de 1950, quando Frei Vicente liderou a campanha pela construção
da Capela Nossa Senhora Aparecida, para facilitar o deslocamento dos
doentes.[7] A construção ocorreu em um dos antigos pavilhões de
internamento. [8] Essa campanha foi exaustiva, atraindo membros da
comunidade católica, além da adesão de outros atores que buscaram
sensibilizar a sociedade local da necessidade do novo templo para os
doentes.
Trabalhou até os últimos momentos de sua vida, quando
já em idade avançada morreu tragicamente após descer do coletivo em
Venda das Pedras, quando buscava atravessar a rodovia.[9]
Fontes e Bibliografia:
[1] DIAS, Reginaldo Benedito. A História além das placas: os nomes de
ruas de Maringá (PR) e a memória histórica. In: Revista de História e
Ensino, Londrina, v. 6, p. 103-120, out. 2000.
[2] Devido à
presença marcante da Ordem Franciscana em Itaboraí, sugerimos a leitura
de dois textos deste Projeto: COSTA, Gilciano Menezes. As relações
escravistas no Convento de São Boaventura. Revista Tessituras, Nº6, Maio
de 2015, p. 82-101. Disponível em: http://historiadeitaborai.blogspot.com.br/…/artigo-publicad… e http://www.revistatessituras.com.br/arquivo/5.pdf
. Ver também: COSTA, Gilciano Menezes. O Convento de São Boaventura
(1925). História de Itaboraí: Pesquisa, Memória e Educação. 2015.
Disponível em: https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=432016303637154&id=351048125067306&substory_index=0.
[3] É importante destacar que após o final da Segunda Guerra Mundial,
graças aos avanços da indústria químico-farmacêutica e das pesquisas
laboratoriais, o uso das sulfas como principal terapia aos hansenianos
começou a produzir resultados satisfatórios e com isso aumentou
consideravelmente o número de altas. ARRUDA, Luiz Maurício de Abreu. “A
nova Jericó maldita”. Um estudo sobre a Colônia de Iguá em Itaboraí/RJ
(1935-1953). Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2015.
[4] A Gruta Nossa Senhora de Lourdes foi construída em 1928.
[5] A fotografia da esquerda é datada de 1931 e foi gentilmente cedida
pelo Projeto Quissamã Memória Viva. Agradeço pelas informações
fornecidas por Helianna Barcellos de Oliveira, que muito nos auxiliou
sobre a atuação do Frei Vicente em Quissamã. A fotografia da direita foi
publicada no Jornal O Itaborahyense, nº2124, ano 73, 10 de janeiro de
1968.
[6] Para preservar os depoentes, utilizamos pseudônimos.
Entrevista concedida ao autor pelo ex-interno Daniel em 9 de dezembro de
2013 e Jonas em 10 de janeiro de 2014 e Jornal O Itaborahyense, nº2397,
ano 85, 27 de abril de 1977.
[7] Quando ainda não existia o
tratamento poliquimioterápico (PQT), era comum em alguns
casos(principalmente aqueles que não tinham resposta ao tratamento com
as sulfas) a mutilação das extremidades do corpo do doente,
principalmente dos membros inferiores, comprometendo assim a locomoção.
[8] Para saber mais sobre a primeira Capela da Colônia Tavares de Macedo: https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=353940428111409&id=351048125067306&substory_index=0
[9] Segundo o depoimento da ex-funcionária Martha, da Colônia Tavares
de Macedo, frei Vicente caminhava com certa dificuldade e talvez isso
possa ter sido um dos motivos de seu acidente. Jornal O Fluminense de
22 de abril de 1977 e Jornal O Itaborahyense, nº2397, ano 85, 27 de
abril de 1977.
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Luiz Maurício de Abreu Arruda é Professor de História na rede municipal
de Rio Bonito e Mestre em História Política (UERJ). Autor da obra "A
nova Jericó Maldita”:Um estudo sobre a Colônia do Iguá em Itaboraí/RJ
(1935-1953). Disponível em: http://historiadeitaborai.blogspot.com.br/sear…/label/Textos
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